09/02 ~ Olivia Hime
Lança Espelho de Maria – O álbum reúne suítes com canções de Dori Caymmi, Edu Lobo, Francis Hime e parceiros, em arranjos de Dori, Francis, Paulo Aragão e Jaime Alem.
Por Tárik de Souza
Em muitos discos ouvidos, uma coisa incomodava Olivia Hime: o salto abrupto de atmosferas – eventualmente conflitantes – de uma faixa para outra. “Queria fazer um disco em que a pessoa não levasse sustos com a mudança de estilos musicais, um disco noturno”, propôs em seu “Alta Madrugada”, de 1997, inspirada em álbuns consequentes, como “In the wee small hours”, de Frank Sinatra de 1955. A ideia virou o estopim para que a cantora e compositora criasse um novo formato de fluência musical: as canções vêm agrupadas em suítes, conduzidas por envolventes arranjos, que conferem unidade estética e ressignificam os temas.
Sua primeira experiência com o conceito ocorreu em “Mar de algodão – as marinhas de Caymmi”, de 2002, dedicado à obra de Dorival Caymmi. “Almamúsica” (2011) com composições de autores diversos e uma suíte instrumental de temas ambientados no Rio, ganhou um tratamento semelhante, “como se a música e a poética se abraçassem”, próximo ao de “Sem mais adeus – uma homenagem a Vinicius” (2017).
Mas é em “Espelho de Maria” que o formato atinge o ápice da depuração. Trata-se da incursão mais profunda no universo criativo da cantora e compositora, e onde fica mais nítida sua faceta musicista, embora ela não toque nenhum instrumento na gravação. Aluna, ainda menina, do maestro Moacir Santos, ela estudou com a mestra de boa parte da MPB, Vilma Graça, aprendeu violão com Roberto Menescal, e flauta durante seu “exílio” nos Estados Unidos, onde também fez curso por correspondência na célebre Berklee College of Music, de Boston. Embora o disco tenha fabulosos arranjos de Francis Hime, Dori Caymmi, Paulo Aragão e Jaime Alem, é de Olivia a concepção orgânica do trio de suítes que o integram. Dela também é o conceito central do álbum. “Já estava na hora de entender de onde eu venho, como eu me criei na música. Quis voltar à segunda geração da bossa nova, que era a minha. Na época, Dori Caymmi me mostrou novas harmonias, outras inversões de acordes; Edu Lobo me apresentou às ‘Bachianas’, de Villa-Lobos. Francis, desde a primeira música dele, foi um encantamento só”, exemplifica. “Aliás, o que com certeza mudou o rumo da minha vida foram a música, Francis, por tudo e sempre, e a psicanálise”, sumariza.
“Há dois anos venho construindo a forma do Espelho de Maria, dando preferência às canções e tendo a sorte de ter Francis ao meu lado para “traduzir” musicalmente os caminhos que eu apontava. Pra mim, é na canção que a melodia , a harmonia e a poesia convivem com mais clareza e que penso poder dar a minha contribuição”, enaltece. Por conta disso, o disco, dividido em três suítes ou movimentos –“Canções sem fim” (com músicas de Dori Caymmi e parceiros), “São bonitas as canções” (Edu Lobo e parceiros) e “Canções apaixonadas” (Francis Hime e parceiros) – é um manifesto em favor de um gênero que alguns consideram ameaçado de extinção.
“Canção sem fim”, de Dori Caymmi e Paulo Cesar Pinheiro, é uma das composições do bloco inicial, com arranjos de Francis Hime exceto “Violeiro”, com arranjo de Jaime Alem, que traz ainda outras parcerias da dupla Caymmi/Pinheiro, “Música no ar” (“um canto me alenta/ enchendo a varanda”), “Violeiro” (“quem não cantarola/ chora no caminho”), “Amazonas”, “Quebra mar”, uma citação de “Na ribeira deste rio” (letra do poeta Fernando Pessoa) e outras de Dori e Nelson Motta que aparecem na abertura instrumental, como “Saveiros”. “Memórias de Marta Saré” (letra do teatrólogo Gianfrancesco Guarnieri), de 1967, pontifica em “São bonitas as canções”, a suíte dedicada a Edu Lobo, com arranjos de Paulo Aragão, integrante do quarteto Maogani, que participa da gravação. A dramaticidade das imagens opressoras da letra são vividas por Olivia, exacerbadas pela seguinte “Sobre todas as coisas”, do parceiro Chico Buarque “ou será que o Deus que criou nosso desejo é tão cruel, mostra os vales onde jorra o leite e o mel, e esses vales são de Deus…” , da trilha de “O grande circo místico”. E mais uma inédita “Ave Maria”, da trilha da peça “Arena canta Zumbi”, onde Olivia vocaliza a melodia e intromissões instrumentais do refrão de “Reza”, parceria com Ruy Guerra. Na densa suíte edulobiana também não faltam alusões ao núcleo temático do disco, nas antípodas e igualmente belas “Canto triste” e “Canção do amanhecer” (ambas, com letras de Vinicius de Moraes).
Na suíte de músicas de Francis Hime, sob arranjos de Dori Caymmi exceto “Valsa Rancho” com arranjo de Francis, além da “Canção apaixonada” (parceria com Olivia), que intitula o bloco, há outros rasga-corações. Como as parcerias com o neo-acadêmico Geraldo Carneiro “O amor perdido”, e com Chico Buarque, “Trocando em miúdos”, “Embarcação” (“atravessada por uma linha de contraponto de cello”), “Atrás da porta” (“que eu deixei crua, com voz guia”), além de “Valsa Rancho”, que Olivia redimensiona para além da mera curiosidade da fusão inusitada de dois gêneros musicais pouco compatíveis. Olivia é a co-autora com Francis de dois outros temas inflamados, “Maré”, instrumental da trilha de um filme de Miguel Farias Junior, em que Olivia pôs letra posteriormente e “Vermelha”, “um baião que eu já havia gravado e sempre tive vontade de canta-lo lento, mais para uma canção ”.
De volta ao mote do disco, há ainda a eloquente “Uma canção perdida”, parceria dela e Francis: “O que foi feito da tua canção/ que um dia já nos alegrou o coração/ se a melodia e o poema são/ o que nos faz irmã e irmão/ o que será de todos nós sem a canção?” O arremate com a participação do autor, Dori Caymmi (“acho a voz dele a mais bonita”) tem nova citação de “Canção sem fim”, esta no trecho que pontua o tema: “enquanto nascer gente/ vai haver canção de amor”. Intitulada a partir de uma música que pensou ser de Edu Lobo (“fiquei sabendo de sua inexistência, mas o CD já estava batizado”, brinca), “Espelho de Maria” desvela uma Olivia – ela própria Maria, mas sem trair-se pelo narciso reflexo – imprevista, à frente de um disco arrebatador, “com muito instrumental, onde o canto entra como se fosse uma surpresa”, deslinda. E adiciona ao ato prazeroso da excelência estética uma espécie de missão em defesa da canção. “Ela não toca no rádio, mas a gente tem obrigação de cantar, porque esta é a futura música clássica. Muitas dessas canções serão eternas”. Ou já são.
Serviço
Teatro Rival – Rua Álvaro Alvim, 33/37 – Centro/Cinelândia – Rio de Janeiro. Data: 09 de fevereiro (Sábado) Horário: 19h30. Abertura da casa: 18h. Ingressos: R$ 70,00 (Inteira), R$ 50,00 (Promoção para os 100 primeiros pagantes), R$ 35,00 (meia-entrada). Venda antecipada pela Eventim – http://bit.ly/TeatroRival_Ingressos2GIaEKp Bilheteria: Terça a Sexta das 13h às 21h | Sábados e Feriados das 16h às 22h Censura: 18 anos. www.www.teatrorivalpetrobras.com.br. Informações: (21) 2240-9796. Capacidade: 350 pessoas. Metrô/VLT: Estação Cinelândia.
*Meia entrada: Estudante, Idosos, Professores da Rede Pública e Assinantes O Globo